A ditadura do salto alto ou viva a liberdade dos passos

Perfil da mulher ideal ao sair à rua:

-Rosto: usa base, pó compacto, blush, delineador, sombra, batom, rímel;

-Traje: vestido ou saia, geralmente just@;

-Calçado: salto alto, seja sandália ou scarpin. Quanto mais alto, mais elegante.

-Unhas: sempre muito bem feitas;

-Cabelo: hidratado, escovado, liso, leve e solto;

-Pele: hidratada. Pernas e axilas muito bem depiladas com cera.

Ok, vamos combinar que uma mulher assim é atraente, chama a atenção. Mas, já parou para pensar no real significado disso? Nos sacrifícios que esse lindo modelo exige? Sim, vocês vão me dizer que a beleza exige sacrifícios e de fato é assim mesmo. Mas para quê ficar sofrendo em cima de um salto alto sendo que existem sapatilhas lindíssimas?

Vou me explicar melhor:

Essa mulher que eu descrevi aí em cima é linda. Ponto. Mas para alcançar tamanho grau de beleza, ela gasta muito tempo, tempo que se quisesse, poderia dedicar a outras atividades que lhe dessem mais prazer. Se não passasse tanto tempo se maquiando, teria mais uns minutinhos na cama por exemplo, ou poderia ir ao cinema ver um bom filme ao invés de ficar presa no salão de beleza tendo seu couro cabeludo quase arrancado de sua cabeça enquanto o cabelo é escovado e sofrendo com os bifes que volta e meia a manicure arranca de suas unhas (já deu para perceber que salão de beleza não é meu lugar preferido, né?). E pior: essa mulher sente dor: a dor dos bifes arrancados, da cabeça puxada de um lado para o outro, da cera depilatória quase levando a pele junto com os pelos, mas principalmente…

A dor provocada por passar o dia inteiro desfilando de salto.

Sim, eu sei que para muita gente todos esses sacrifícios valem a pena. Mas a partir do momento que determinado comportamento se torna uma imposição social (é isso mesmo, se uma mulher não se depila, ela é quase apedrejada na rua), acho que vale a pena uma reflexão. Já parou para pensar no quanto é difícil andar rápido ou mesmo correr de salto alto e vestido justo? Se você é magnânima e nunca precisou e nem precisará, parabéns, desculpa aí, esse texto não vale para você. O foco aqui são as mulheres normais, a maioria. Estou cansada de ver, andando nas ruas inapropriadas para pedestres aqui de Brasília, mulheres se equilibrando em saltos e roupas justas de um lado para o outro, mulheres pegando ônibus lotados de salto alto! Gente, eu me pergunto: para quê?! Eu, no “alto” dos meus 1,55 de altura me recuso a sofrer assim! Ando para todo lado usando minhas sapatilhas (modéstia à parte, algumas lindonas!) e acho que para o meu estilo de vida é o melhor que eu faço. Tenho calçados de salto, mas os reservo para ocasiões mais especiais.

Mas, não pensem que eu sempre fui assim. Eu adoraria dizer que sempre fui uma pessoa consciente, mas o fato foi que o salto alto e eu fomos afastados na marra por um problema congênito nos joelhos agravado no começo da minha adolescência, antes mesmo de poder usar salto. A princípio eu me revoltei, achava um absurdo me ser negado o acesso a esse verdadeiro símbolo da feminilidade. Eu queria, eu exigia ser como todas as mulheres! Era como se não usar salto me fizesse menos mulher e bem numa fase que a feminilidade começa a aflorar. De todas as limitações que eu tinha, essa era a pior na época. Mas aí o tempo foi passando, o conformismo veio e quando por fim eu pude colocar um salto, quando eu reparei o quanto aquilo era desconfortável comparado a uma boa sapatilha, eu comprovei que há outras maneiras de se ser feminina, de se ser mulher sem ter que sofrer. Percebi que a atual ditadura da vaidade feminina não acompanhou nossas conquistas, que tais apetrechos estéticos não condizem com a mulher comum e sim com as dondocas e com as poucas que podem se dar ao luxo de ir trabalhar de carro, que não correm o risco de ficar no prego e que trabalham e vivem em locais com calçadas bonitinhas.

Essa ditadura tem como finalidade desencalhar a mulher, pois é feita essencialmente para agradar ao homem. Salto alto serve para empinar a bunda e realçar os seios. Ok, é um fato que a conquista começa com a visão, mas enquanto mulheres fazem tudo que fazem para chamar a atenção masculina, alguém pode me citar alguma coisa que os homens façam para ficar atraentes para as mulheres que lhes cause dor? A nossa ditadura da vaidade nos convida ao ócio e ao desencalhe (lembre-se: sem macho não há vida) e ócio é uma palavra que eu só aprecio de vez em quando e se um homem só se interessa por mulheres que usam sempre saltos o tempo inteiro, certamente ele tem algum problema. O mesmo vale para aquele que vai deixar de olhar para a Scarlett Johansson de sapatilha pra pegar a Geisy Arruda por causa do saltão.

Hoje eu quase agradeço meu problema nas pernas. Ele me livrou da dependência do salto alto e acho até engraçado quando minhas primas mais novas, que estão chegando agora à adolescência, comentam penalizadas que deve ter sido terrível para mim não poder usar salto. Elas pensam que eu perdi muita coisa. Eu já acho que ganhei muita coisa. Ganhei a segurança de saber que é possível beleza sem tanto sofrimento. Eu sei que eu sou uma mulher bonita e eu sei me arrumar para realçar isso. Eu me depilo (não com cera, me recuso a sofrer tanto!), gosto de escovar meu cabelo (em casa), arrumo minhas unhas e até passo maquiagem (mas não tanta que pareça que reboquei o rosto). Mas quem me conhece dificilmente me vê de salto e acho que nunca me verá, por exemplo, de vestido bandage. Eu amo demais a liberdade e acho que nós mulheres já temos prisões sociais demais para que eu restrinja até o tamanho dos meus passos na rua por conta de um calçado ou uma roupa. Ao contrário do que dizem, eu acho que é possível sim uma mulher se sentir poderosa sem usar um salto. Há quem diga que uma bela lingerie que só ela vê já ajuda…

E viva a liberdade dos passos!