A gorda

Ultimamente eu pouco tenho saído de casa, em virtude do desemprego e das poucas opções de divertimento em minha cidade (e também por eu amar ficar em casa na companhia dos meus livros. Antissocial? Não sei), mas naquele sábado eu decidi sair. A princípio para pagar uma conta (o que eu poderia ter feito online) e depois, na hora do lanche, resolvi ir a uma padaria que eu gosto bastante, mas que fica um tanto longe da minha casa. Era um dia de sol agradável e temperatura amena, perfeito para um passeio. Fomos eu e minha prima.

novica

Para chegar ao outro bairro, era preciso subir uma ladeira considerável. Íamos conversando agradavelmente, tirando brincadeiras e tudo mais uma com a outra (a gente briga direto, mas se adora), até que encontramos uma conhecida da família. Esta ao nos ver, acenou de longe, sorriu e, enquanto se aproximava, comentou: “nossa, mas você deu uma engordadinha hein?”.

monica

Pois é, nada de “como vai?” ou “cortou o cabelo?”, ela foi direto no peso. Durante nossa curta conversa ela repetiu várias vezes que meu peso aumentara e fez comentários do tipo “seu rosto está até redondinho”, tudo com um sorriso no rosto. Levei tudo na esportiva, não achei que seria o caso de ser ríspida, mas fiquei pensando em algumas coisas:

pensando

Havia meses que a pessoa em questão não me via. Ela sabia que eu estava tentando passar em concurso. No entanto, a única coisa que chamou a atenção dela foi o meu peso. Como se fosse um absurdo, algo incrível e quase imperdoável eu ter engordado. Ela não me perguntou pela minha mãe, ela não pensou se ia me magoar ao me acusar de ter engordado. Ela não me via há meses, já pensou se eu estivesse chateada por ter engordado? Bom, acho que se eu estivesse chateada, o comentário dela seria só uma punição a mais por eu ter me descuidado e ter engordado, não é? E há outro lado também: e se eu estivesse me sentindo melhor mais cheinha? Quer dizer, a barriga cresceu um pouco, mas coxas e bumbum também rs. Mas o ponto é que eu não me importei muito com meu ganho de peso.

fat pride

E na boa, será que já não tá na hora de parar de reparar em coisas tão pequenas? E daí se a pessoa engordou, emagreceu? Ainda é a mesma pessoa, simplesmente com peso diferente. Atualmente, com tantas facilidades no trabalho e na vida pessoal, só usa 36 quem tem o DNA dos sonhos ou vive para o próprio corpo. E chamar uma pessoa que usa 42 de gordinha… bom, mostra que a nossa sociedade anda exagerando, que a gordofobia realmente está no ar.Agorda

Os programas de comédia e as mulheres

Esse post não pretende ser “politicamente chato”. Embora a Jeanne Callegari tenha escrito um texto excelente sobre isso no Blogueiras feministas, que mostra que o politicamente correto não é chato. Só é chato para os boçais que não sabem se divertir sem ofender outra pessoa. Mas enfim, o motivo da afirmação inicial é deixar claro que não pretendo me aprofundar muito no assunto, não que eu ache que a defesa do certo é ser “politicamente chato”. O motivo desse texto é falar sobre os programas de comédia, como diz o título, mais especificamente sobre o que eles consideram piadas.

O Zorra Total, exibido pela Globo nos sábados à noite, é uma ode à ignorância. Juntamente com ele, temos a estupidez em forma de “Pânico” (que é tão podre em matéria de respeito ao ser humano que não chego nem perto) atualmente exibido pela Band. Os dois programas tem em comum além das piadas sem-graça, o uso de uma estratégia cuja finalidade eu nunca entendi num programa de humor: o uso de mulheres seminuas. Os quadros do ator Paulo Silvino no Zorra Total então, caracterizam-se UNICA e EXCLUSIVAMENTE por exibirem mulheres nuas e o personagem dele as desejando, em situações onde, além de não haver comédia, as mulheres são retratadas como pedaços de carne. Sinceramente, eu tenho nojo dos quadros desse ator e me pergunto como ele suporta, semana após semana, ano após ano, fazer um papel tão ridículo quanto o do porteiro Severino. Na Record, a escolinha do Gugu não vai tão longe, mas personagens como a caipira Linda Flor, Fifi de Assis, a nerd que se despe a cada resposta correta e Marilyn, a típica “loira burra”, também não são modelos de boa representação. E a india Poitira, chega a dar asco. É como voltar na história, quando índios eram vistos pelos portugueses como devassos e pecadores por andarem nus.

Como não quero ser processada, resolvi não colocar imagens dos referidos programas. Fiquem aí com a deusa do erotismo e do amor: Vênus!

Uma vez, discutindo esse assunto com alguém, escutei a seguinte resposta: “mas você tem que entender que as mulheres que estão lá estão porque querem. Elas não se sentem ofendidas”. Ok, elas não se sentem ofendidas, estão lá porque querem, eu estou cansada de saber disso. Mas o que ninguém observa (penso que nem mesmo elas) é que a mídia atua como formadora de opinião. E programas humoristicos que se valem da exposição com pura conotação sexual do corpo feminino para atrair audiência estão reforçando estigmas que há décadas as mulheres lutam para combater. A mídia deveria ser a primeira a respeitar seu público e sendo as mulheres a maioria da população, ao expor uma mulher seminua sem razão aparente que não seja um humor (ou falta dele) quase misógino, a mídia está desrespeitando parcela significativa de seu público e está deixando claro para os homens: “estão vendo? é legal olhar para essa gostosa aqui como uma boneca inflável que só serve para você se aliviar, pronto e acabou” “ah, essa peituda aqui? Ela não tem capacidade de nada além de ficar dançando de biquini e deixando você com vontade de bater uma no banheiro”. O que eles não percebem é que também estão dizendo: “somos tão sem criatividade que para você assistir nosso programa, só mesmo colocando mulher pelada”.

Em pleno século XXI, em plena nação avançada, democrática e laica como a nossa, esperava-se que a mídia tratasse a nós mulheres com um pouco mais de respeito. Para sermos valorizadas é preciso que todas as camadas da sociedade se envolvam nisso. E a TV aberta, por atingir as camadas mais pobres, tem um incrível poder de formar opinião, positiva ou negativa. É preciso que as espectadoras e os espectadores comecem a ver que programas como Zorra Total, Pânico e Escolinha do Gugu são formatos ultrapassados que deviam ser banidos da grade de programação.

O publico merece respeito.

O preconceito (meu) nosso de cada dia

Naquele dia tive vergonha de mim mesma. Vi claramente o que no fundo eu já sabia, mas não queria reconhecer: aquilo que eu sempre achei que fosse “medo de conflito” e “meu lado conciliador”, nada mais era do que um lado cheio de influencias que nos outros eu tanto busco combater.  A história é até um tanto boba, mas acho que vale a pena contar a título de reflexão:

Naquela manhã, estava navegando na internet quando me deparei numa página do Facebook com um texto publicado no site Papo de homem, intitulado: “Eu fui estuprada”. Interessada nas questões de gênero que sou, resolvi ler o texto. Tratava-se do relato corajoso de uma escritora que contava sobre o abuso sexual que sofreu de um amigo, de como se sentiu culpada na época, de como demorou 10 anos para perceber que ela era vítima e que ele era culpado, que não foi simplesmente ‘algo que acontece’. Que o estupro, o abuso sexual, são realidades terríveis que estão aí e infelizmente a grande maioria das mulheres tem alguma coisa para contar.

Enquanto lia o texto dela, eu pensava no quanto ela era corajosa por expor sua história assim, para tantas pessoas. Ok ok, a Xuxa andou fazendo, mas hello, a Xuxa é uma pessoa praticamente sem vida privada, então… voltemos ao caso. Eu pensava no quanto ela era corajosa, que não deve ter sido fácil para ela, afinal de todos os crimes, os crimes sexuais são os mais difíceis de se relatar, isso porque mexem com a dignidade da vítima de tal maneira que chega a confundir seus sentimentos. A vítima não consegue se reconhecer vítima, tem vergonha do que houve, como se fosse culpa sua. E é essa vergonha o meu problema. Somos tão moralistas que sequer é comum o uso da palavra estupro. Soa como palavrão. E de certa forma devia soar mesmo, mas no sentido do criminoso, não da vítima. Estupro é uma palavra sussurrada, dita apressadamente, como se seu simples uso já fizesse de quem a usa, um participante do ato (seja vítima ou agressor).

Eis que após a leitura do texto, durante a qual oscilei entre o choque pela história e a admiração pela autora, meu primeiro pensamento foi compartilha-lo no Facebook e no Twitter. Penso que é preciso desmistificar o abuso sexual, só assim a vítima vai se perceber vítima, não culpada. Uma roupa, um olhar, nada disso é desculpa para o abuso sexual. O criminoso é criminoso e ponto final. Mas aí, na hora de clicar no botão “compartilhar” um pensamento veio tão rápido à mente que não tive tempo de suprimi-lo: “acho que não vou compartilhar, vai que pensem que eu… sei lá, né?”. Pense numa pessoa que na hora sentiu o rosto esquentar de vergonha de si mesma? Senti raiva, senti vergonha por ver que lá no fundo eu carregava esses mesmos preconceitos tolos que devem sim ser combatidos! Olhei para mim e vi uma estranha, uma pessoa que eu não admito ser! Pensei comigo que daqui a pouco meu subconsciente me diria que lugar de mulher é esquentando a barriga no fogão e esfriando no tanque!

Parece doidera? Também acho. Me irritei? Muito. Mas serviu para me mostrar que infelizmente está certo o pensador que disse que é mais fácil quebrar um átomo que acabar com um preconceito. E quando esse preconceito vem de toda a sociedade então… parece que se infiltra nas pessoas pela pele. Exterminá-lo é uma luta constante, mas que ainda assim deve e vale a pena ser lutada. Eu já disse, mas vou repetir: NO ESTUPRO A VÍTIMA NÃO É CULPADA! NÃO IMPORTA SUA ROUPA, NÃO IMPORTA ONDE ANDAVA, NÃO É NÃO SEMPRE!

*ah, a Blogagem Coletiva Antiestupro foi uma iniciativa da Annie do blog Com tudo que sou. Quer conferir outros textos? Vai lá!

Fonte da imagem: http://anjoseguerreiros.blogspot.com.br/2009/05/campanha-contra-abuso-infantil-e.html

Sobre intolerância e preconceito

Segunda-feira passada me levantei, peguei meu ônibus, fui para o trabalho. Lá, me organizei e me sentei para tomar meu café-da-manhã e me atualizar na net antes de começar a trabalhar. E aí vi na página da Marcha das Vadias de Brasília no Facebook uma notícia que me revoltou: a do espancamento da blogueira e ativista Elisa Riemer pelo próprio irmão, motivado ao que tudo indica, pela condição dela de homossexual. Até então eu nunca tinha ouvido falar na Elisa Riemer. Sou o que se pode chamar de ativista de pijama. Sou contra qualquer forma de discriminação  e de violência. Apoio o direito dos animais, das mulheres, dos gays, mas daqui da minha cadeira. Acho que o máximo que fiz foi participar de uma passeata em prol dos direitos dos animais. Até quis ir à Marcha das Vadias aqui de Brasília esse ano, mas a saúde me deu uma rasteira e tive que perder esse evento que considero uma ótima manifestação da luta contra o machismo.

Mas voltando ao assunto.

Até quando vamos viver numa sociedade tão fechada que discrimina a pessoa por coisas como opção sexual, sexo, cor da pele? Por que, quer dizer, o que eu faço com o meu corpo não é da conta de ninguém e o meu gênero e a minha pele em nada alteram nada! Se me guardo para o casamento, se pego trinta numa festa, se sou lésbica ou hétero, QUE DIFERENÇA FAZ PARA A SOCIEDADE??? Agora, se eu maltrato meu semelhante, se roubo, se mato, se engano, aí sim FAZ TODA A DIFERENÇA! Tem que haver julgamento na sociedade? Sim! Mas as pessoas devem ser julgadas por suas atitudes a medida que elas melhoram ou pioram a vida do próximo! A partir do momento que minhas atitudes não te prejudicam ou não te beneficiam, não é da sua conta o que eu faço, independente se você é um estranho, meu amigo, meu pai, meu irmão ou o escambau! Aí certamente homens como o irmão da Elisa poderiam dizer que é vergonhoso ter um(a) irmão/irmã homossexual e aí eu pergunto: por que? Eu teria vergonha de ter um irmão/irmã ladrão, assassino, que batesse na minha mãe, que desse golpe em velhinhas, roubasse doce de criança. Mas gay? Ele ou ela poderia ser meu melhor amigo, porque não? Ou então eu poderia até não gostar dele. Há muitos casos de irmãos que não se suportam, mas aí é por razões que dizem mais respeito a personalidades conflitantes. Agora, não gostar e ainda por cima agredir uma pessoa pura e simplesmente por sua opção sexual? Não dá pra aceitar, não dá mesmo!

Para finalizar esse texto/manifesto de revolta, gostaria de deixar como reflexão as palavras de Luiz Modesto, representante da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis, e Transexuais) para a Folha de Maringá, que publicou a notícia sobre Elisa:

“A culpa pela agressão da nossa Elisa não é só de seu irmão, mas de todos aqueles que, dia após dia, autorizaram esse rapaz e ser machista, a tratar mulher assim. Tanto com piadinhas, com seus mau exemplos, inúmeras pessoas tem a mão manchada do sangue e a culpa pelo que sofreu Elisa Riemer”.

Em sua página, ela publicou uma mensagem falando do arrependimento do irmão e da dor da mãe (que obviamente deve estar enorme diante dessa situação). Só posso desejar muita força para ela e sua mãe e que seu irmão realmente se arrependa, mude sua postura e pague pelo que fez na justiça. E desejar também que casos como esse um dia sejam extintos e que ao chegar ao trabalho de manhã, as pessoas não leiam mais notícias como essa que eu li naquela segunda-feira.